quarta-feira, 16 de abril de 2008

Minchetti, lamentável perda

Senhoras e senhores da montanha...
Uma das lições mais importantes que aprendi ao longo da minha medíocre trajetória pelo montanhismo, foi com o Minchetti. Num desses encontros fortuitos na Floresta da Tijuca, depois dos apertos de mão e a paradinha para um dedo de prosa, ele fez um comentário que eu reproduzo aqui - o qual não há como conduzir sob o viés da fidelidade absoluta, posto que fazem muitos anos -, mas tenho a certeza de que manterá o brilho original não importando o lustro que eu lhe dê.É preciso explicar que este encontro aconteceu alguns meses após a exibição nos cinemas de um filme de escalada que eu havia realizado, em meados da década de oitenta, e que hoje jaz feliz sob o manto do ostracismo. Ele elogiou o trabalho, que obteve na época alguma repercussão, mas não deixou de expressar sua preocupação, como era da sua personalidade ser franco e direto."Um filme desta natureza, exibido para o grande público pode atrair para o montanhismo pessoas que não tem nada a ver com a montanha. Muitos virão pela bravata, machismo, exibicionismo... Nós, montanhistas, somo raros. Eu não convido ninguém para vir à montanha. Eu não trago ninguém por dinheiro ou vaidade. O montanhista nato sabe o momento de se aproximar e juntar-se a nós. Ele virá porque ama os animais da floresta, a vegetação, os insetos, a sensação de tocar a terra com as mãos, por aceitar e enfrentar seus próprios desafios, e principalmente sentir-se integrado no seu ambiente natural e não um mero visitante ou invasor."Esta fala me impressionou sobremaneira. Lembro-me que na época declinei em participar dos festivais de cinema para a categoria e fiquei feliz quando o filme saiu de cartaz.Naturalmente a minha parcela de culpa, que eu assumo e penitencio, não chegou a ser das mais significativas. Na década de noventa o montanhismo ganhou muito espaço na mídia e este espaço se multiplicou. Hoje alguns de nós, os que somam algumas dezenas de anos de vida, podem avaliar o efeito disso. Para os novos porquinhos, recém chegados a esta pocilga, o chafurdar é natural. E o lamentável é que a grande maioria dos montanhistas antigos, aceitou resignada e fatalista a bazófia em que hoje se transformou o montanhismo brasileiro. A destruição de trilhas, invasão de áreas naturais, deformação de vias de escalada são vistas com absoluta serenidade pela maioria, como se o desígnio da humanidade fosse de fato cagar, seguir cagando e muito, no prato que come. Chegamos ao ponto do indefensável absurdo das competições em Parques Nacionais onde cem, duzentas, trezentas pessoas se descaralham pelas trilhas a troco de endorfina, afirmação peniana e um troféu patife.Disseram que o Minchetti morreu feliz, porque morreu na montanha. Isso em parte faz sentido. Mas quem o conheceu sabe da dor e da frustração de ter testemunhado - embora isolado nos seus últimos anos, os descaminhos de uma atividade que absorveu turbas ignaras com tal intensidade, que sequer em uma crença mística encontraríamos alguns traços de esperança.O adeus ao Minchetti é principalmente um adeus a alguém que primou pela ética. Um dos raros orangotangos do montanhismo brasileiro, e ele o foi até o final.
Lamentáveis pesares,Crissauro
Texto: Cristiano Requião
Galera do CERJ com Minchetti (primeiro a esquerda). Encontro no meio das trilhas do Parque da Tijuca, setembro de 2004.

Um comentário:

Unknown disse...

Requião, foi feito um comentário para o Wall, pois pensei que que fosse ele o escritor. Mas como foi vc, endosso as mesmas palavras dirigidas à ele com muito carinho.
Penha Minchetti.
Obrigada.