quarta-feira, 19 de março de 2008

Silêncio e solidão

Edson Struminski (Du Bois)

Muitas pessoas me perguntam a respeito de viver nas montanhas, algo que faço já a 15 anos. Se o silêncio e a solidão das montanhas deprimem, incomodam ou trazem algum tipo de malefício. Uma pessoa a quem estou aprendendo a gostar também se mostrou curiosa (talvez preocupada?) a respeito da solidão que eventualmente eu sentiria em morar, digamos, isolado do mundo.
Percebo que nossa cultura ocidental tem dificuldade em lidar com o silêncio e a solidão. No mundo oriental aparentemente esta dificuldade é menor. A cultura oriental valoriza o silêncio como pressuposto para um processo meditativo e a solidão pode ser encarada como momento para um crescimento espiritual. Nada disto exclui, me parece, o convívio humano. Aliás, solidão, como se sabe, não é um mérito do isolamento social. Muitas pessoas são solitárias mesmo vivendo em ambientes com grandes aglomerações humanas.
A solidão não é, portanto, um componente exclusivo de quem vive afastado do convívio social. Neste sentido, me parece, se você opta conscientemente em viver mais isolado da sociedade, não necessariamente a solidão lhe parecerá negativa. Talvez até ao contrário, será um momento para uma concentração mental não só do tipo espiritual como disse no início, própria de monges e religiosos, mas também intelectual, eventualmente filosófico, como Henry Thoreau fez no século XIX ao viver no meio dos bosques norte-americanos, com o intuito de criar uma cultura original, não europeizada para seu país.
Thoreau repudiava a sociedade burguesa e confiava na força do seu individualismo para se livrar dos seus vínculos comunitários e a partir daí elaborar sua cultura refinada (naturalismo, desobediência civil) que finalmente concedeu para o resto da sociedade na forma de alguns livros (1).
O isolamento pode ser também do tipo racional, como aquele necessário para produzir um trabalho científico altamente exigente. Se você for uma pessoa com formação em ciências naturais (biologia, geologia, geografia), provavelmente ocupará seu tempo conhecendo e manejando o ambiente onde vive, realizando transformações que possam ser benéficas para a natureza.
Nada disto exclui, na verdade, a sociedade. Jacques Barzun comenta (2) que mesmo Thoreau levou a civilização consigo para sobreviver na floresta: roupas, sementes, pregos, madeira, produtos de um esforço social. Assim também é comigo. Para sobreviver tenho que ter o convívio social, embora, imagino, ele seja mais seletivo do que acontece com a maioria das pessoas.
No mundo da montanha, o guia da cordada e o escalador solitário (com corda) ou em solo (sem corda) também convivem momentaneamente com a solidão. A solidão de ter de tomar decisões importantes sozinho e sofrer as consequências delas. Algumas, no caso do escalador solo, com graves implicações até para a sobrevivência dele. Já fiz muitas escaladas em solo ou em solitário e sobrevivi. Isto significa que esta modalidade de solidão também não foi prejudicial para mim pois aguçou minha concentração naquilo que era realmente importante, ou, ao menos, não deixou sequelas de nenhum tipo que fizessem com que eu lamentasse minhas decisões.
O mérito do silêncio
Já o silêncio é sim um mérito dos ambientes naturais onde vivo. Mas que silêncio é este? O vento bate nas árvores. Ao longo do dia posso escutar vários pássaros. O rio no fundo da minha casa nasce na montanha e nunca vi ele deixar de correr e fazer seu ruído característico. Os mosquetões tilintam quando escalo. Pode-se dizer então que este “silêncio” das montanhas é um contraponto à cacofonia da civilização, particularmente daquela estressadamente urbana. Mas mesmo que esta imagem que passei para vocês pareça agradável, assim como a solidão, as pessoas tem dificuldades de conviver com o silêncio, com este tipo de silêncio que descrevi. Já nascem em um ambiente ruidoso e cercam-se de máquinas particularmente barulhentas. Talvez a dificuldade aí esteja em escutar a chamada “voz interior”, que costuma aparecer comumente para as pessoas apenas quando, digamos, acaba a energia elétrica e todas as possibilidades de se controlar a produção de ruídos externos. Talvez o medo de escutar esta voz incomode as pessoas. Os sons e ruídos seriam, assim, uma forma da abafar esta voz, ou de pelo menos fazer com que ela seja menos escutada.
É provável que eu tenha que conviver com minha voz interior com mais frequência que a maioria das pessoas. Talvez isto me torne melhor que os outros, talvez não. Como o convívio social para mim é um pouco mais raro, me parece que isto tem me tornado um pouco mais tolerante com as pessoas. Assim, o fato é que para mim o silêncio simplesmente é benéfico.

Fonte:Blog Du Bois

Leia ainda:
(2) BARZUN, J. Da alvorada à decadência, a história da cultura ocidental de 1500 aos nossos dias. Rio de Janeiro: Campus, 2002

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