TB: Você conseguiu unir sua “profissão” (psicólogo) com a escalada. Pode falar um pouco sobre isto?
GZ: Desde a metade de minha graduação comecei a fazer pontes entre a psicologia e a escalada. No início não acreditava muito na minha idéia, achava que era algo profissionalmente ingênuo. Pouco a pouco percebi claramente que sendo a escalada uma via de autoconhecimento tão forte para mim e para muitos escaladores que conheci, ela também poderia funcionar como poderosa ferramenta terapêutica para muitas pessoas.
Combinando certos conhecimentos da psicologia com a prática da escalada, hoje tenho certeza de que podemos chegar a estados modificados de consciência os quais nos permitem aprender muito sobre a vida e sobre nos mesmos. Talvez seja um método que não sirva pra todos, mas nenhum método terapêutico o é.
Atualmente utilizo a prática da psicologia e escalada no trabalho de reabilitação de toxicômanos. Tenho aprendido bastante com este trabalho, bem como com meus clientes (pacientes).
TB: Para muitos escaladores a escalada é responsável por muitas emoções e representa uma grande parcela na vida destas pessoas. Como funciona isto para você? Qual sua opinião sobre esta “doação” feita por muitos escaladores?
GZ: Acredito que através da escalada podemos chegar a estados de alegria, maravilhamento, encontro com nossa força interior que às vezes é tamanha que nem acreditamos como podia estar ali. Pela escalada podemos chegar a certos desbloqueios de muitas emoções como: raiva, medo, alegria, momentos de profunda introspecção e/ou de introversão. Podemos encontrar um lado nosso profundamente guardado ou “inconsciente”. Quem sintoniza com a vibração da prática da escalada entra em contato forte com o seu corpo, com a natureza e com os companheiros de escalada. Quanto mais conscientemente praticamos mais profundamente recebemos.
Acho que muitos escaladores se doam tão intensamente a essa prática porque intuem que através da escalada podem transcender a sua condição humana, chegar a estados de dissolução do próprio ego e viver a intensidade absoluta que nossas vidas são capazes de viver. Claro, dificilmente isto ocorre, mas no seu interior o escalador intui isto e persegue este “estado de consciência”, muitas vezes sem nem mesmo saber direito o que está buscando.
TB: O que você entende por: “A escalada é uma filosofia de vida”? Você concorda com isto?
GZ: Acho que a escalada pode dar grandes ensinamentos de como viver e como chegar a realização pessoal. Mas eu acho que a “filosofia de vida” em si depende totalmente da atitude interior do escalador. Neste sentido qualquer coisa pode ser uma filosofia de vida, tocar flauta, jogar peteca...
Podemos praticar escalada de maneira totalmente inconsciente, aprendendo muito pouco. Por outro lado se estivermos atentos, concentrados e sensibilizados, tratando de estar totalmente imersos naquilo que fazemos aí os ensinamentos começam a brotar da prática. Aí o contentamento e a satisfação começam a vir com mais e mais força e nos sentimos plenos.
TB: Apesar de estar morando longe há algum tempo como você vê a evolução do RS na escalada esportiva?
GZ: Acho Incrível como evoluímos, principalmente os escaladores da Serra, graças a Gruta e ao Salto, e a força de vontade, é claro. Alucinante as vias que se estão fazendo. Certamente ali estão algumas das vias mais difíceis do país, quem sabe a “Jedi” seja a mais difícil.
Acho que grande parte desta evolução tem a ver com a contribuição dos escaladores da AGM que se dedicaram a abrir vias de nível, não só de dificuldade mais em qualidade de grampeação.
Tenho certeza que se houvessem mais boulders também seriam de um nível de dificuldade bem elevado.
TB: Como você vê o treino na escalada, sua importância, freqüência e outros?
GZ: Acho que é bem pessoal. Para cada um o treino pode ter significado de maneira diferente. Para uns pode ser uma diversão, para outros um martírio. O mais importante acho que é cada um ver como se sente treinando, porque está treinando e para que está se dedicando. Acho importante e necessário as pessoas buscarem evoluir em todos os sentidos. O treinamento para escalada é um bom terreno para aprender como “evoluir” em certos aspectos.
TB: Você já encadenou muitas vias difíceis. O que considera importante neste processo? Desde treinos até controle de emoções estratégias físicas e mentais, fique a vontade para falar sobre o assunto.
GZ: Para mim o mais importante é a motivação e o gosto pela escalada. No caso das vias “extremas”, para o meu nível, acho que o que também me atraiu foi o gosto pela evolução, o gosto por transformar-me em um melhor escalador e ser capaz de escalar algo que antes não era.
TB: Fale sobre uma cadena que te marcou pela luta, determinação, dedicação, estas coisas..
GZ: Uma via incrível para mim foi a Filhote de Mozo. No início dos anos 90, éramos um grupinho de três ou quatro que escalavam oitavo grau no RS e estávamos na busca “mítica” por vias mais difíceis. Em 91 encadenei o primeiro 9ª do RS, a Triton. Aí o Duca descobriu e grampeou parte da Filhote de Mozo. Era um pilar negativo monstruoso, absurdo, muito acima da nossa capacidade na época. Não achei que seria possível para mim. Com o treino e dedicação, e a visão de meus companheiros de escalada, alguns anos depois fiz a primeira ascensão.
É uma via linda, tem movimentos “clássicos”, foi algo muito impressionante para mim na época. Depois de fazer a via fiquei uma semana em um estado meio esquizofrênico, completamente distraído, viajando no que é possível e impossível, sendo ainda mais possuído pelo espírito da escalada. Por momentos sai desta terra, acho que foi um pouco de mais.
TB: Quais são seus projetos futuros dentro da escalada, tanto de vida quanto de vias?
GZ: Gostaria de fazer tanto em via quanto em Boulder um grau um pouco mais difícil do que eu já fiz. Algo tipo um 8c (francês) de via e um v11 em boulder. Sei que quando faça estas vias vou querer fazer outras um pouquinho mais difíceis, acho que isto é positivo para mim mesmo que eu não consiga. Acho que é positivo sonhar e tentar chegar a esta realização mesmo que não cheguemos. Ah, quero seguir viajando para escalar até desencarnar deste corpo, e aí, quem sabe, seguir viajando e ascendendo.
TB: Você escala há tanto tempo e conheceu tantos lugares e segue escalando e treinando, de onde vem toda esta motivação?
GZ: Boa pergunta, é incrível como eu realmente gosto de escalar. Eu realmente não sei explicar. Responder de onde vem a motivação é como responder: “de onde viemos e para onde vamos?” Algo assim.
Respostas curtas:
Via: Filhote de Mozo
Local: Casa de Pedra em Bagé
Sapatilha: Kichute, para nunca esquecer de onde viemos.
Escalador(a), Por quê?: Mauritzio Zanola (Manolo), por ser um exemplo de que a força pode durar no corpo se sabemos cultiva-la.
Uma ambição: Nunca deixar de escalar.
Uma agarra: A que quebrei na via “Contacto” um 5.14 do Chile que tentei meses e nunca consegui. Se não fosse pela agarra que quebrei, quem sabe...
Um boulder: Está pedrinha negativa que tenho a 10 min da minha casa aqui em Tarapoto, Peru. Salvou-me de dois anos e meio “quase” sem escalar.
Um movimento: Para o alto, com paciência e perseverança.
Há quantos anos pratica escalada? 18 anos.
Em quais os países você já escalou? Brasil, Peru,Venezuela, México, Chile, Espanha , França, Itália, Alemanha, Suíça e Inglaterra.
Qual sua formação? Sou formado em psicologia pela PUCRS.
Que mensagem você gostaria de deixar para novas gerações sobre a escalada e suas emoções e ensinamentos? Que permitam que a escalada influencie em outros conhecimentos e áreas de suas vidas e que outros conhecimentos e áreas de suas vidas influenciem sua escalada.
Acho importante entregar-se a prática, quando se está escalando tentar estar 100% ali, presente, consciente, não importa se for 30 minutos de escalada ou o dia todo.
Tarapoto, Peru. Março de 2008.
Fonte
AGMontanhismo