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Há um ano e dois meses, fui convidado à guiar meus amigos Zozimar e Egito na via de conquista (conhecida como Sílvio Mendes) do Pico de Itabira, em Cachoeiro de Itapemirim. Sem muitos detalhes, topei na hora. Grande erro: dois dias de escalada entre artificiais, muito mato, paredes extremamente verticais, quando não sem grampos, com pés de galinha totalmente podres, sede, muita chuva, sangue e cansaço mental e corporal.Seis meses depois estava de volta, ao mesmo pico, com os mesmos companheiro e contando com a companhia do Antônio Dias. Mais uma furada. Bivaque forçado no meio da parede (sem grampos), sede, frio, fome e mais sangue. Após duas vezes no cume, juramos à nós mesmos nunca mais retornar aquela montanha maldita...Mais oito meses e lá estávamos eu, Menudo e Egito, de volta ao ‘inferno’. Desta vez para tentar a subida por uma via teoricamente menos complicada: a Chaminé Cachoeiro. 70% do trajeto é vencido em entalamento de mãos e pulsos. 20%, escalado em entalamento de peito. O resto, feito em chaminés extremamente sujas, cheia de mato, terra e pedras soltas. Com um pequeno detalhe: tudo em móvel, exceto as paradas dos 5 primeiros esticões, feitos em grampos de ½. Neste ponto preciso dar o braço a torcer. A via é inteiramente perfeita para proteções móveis e possui um lindo sistema de fendas para tal.As informações que tínhamos sobre a via eram um relatório da mesma escalada, realizada pelo Groba, Mário e Mauro Maciel em 1989 e um croqui gentilmente cedido pelo Luciano Bender, quando da sua escalada em 1996. Desta forma, batemos em alguns entraves, tais como a parte inicial da via, na qual apresentava-se um frágil cabo ligando as 3 chaminés iniciais. Há algum tempo, uma turma do CEC (Centro Excursionista Carioca) esteve por lá e retirou tal artefato, abrigando-nos a escalar cerca de 20 metros acima do ponto em que se faz a horizontal, para alcançar os grampos originais da conquista e realizar dois pêndulos, da primeira para a segunda chaminé e desta para a terceira (que vai até o cume).Em nosso primeiro dia de escalada, iniciamos os trabalhos de preparação da via, 3:00h da tarde, fixando 50 metros de corda, chagando ao meio da segunda chaminé, após muito entalamento de mãos, oposições, chaminés e o primeiro pêndulo. Neste ponto, o Egito começou a se sentir indisposto e precisou descer. Eu e o Menudo acabamos achando melhor encerrar nosso trabalho por enquanto e descer em segurança com nosso amigo.No dia seguinte, ainda não recuperado, Egito resolveu nos desfalcar, temendo pelo sucesso da equipe e ficou na base, carregando grande parte de nosso material e dando todo o apoio logístico necessário. 7:00h iniciamos nosso segundo dia de escalada. 50 metros de jummar e estávamos eu e o Menudo no ponto em que paráramos no dia anterior. Novamente, fendas com entalamentos negativos, chaminé em tesoura e alguns friends. 20 metros acima, grampo para efetuar o 2º pêndulo.Alcançada a terceira chaminé, lances de oposição, entalamento e chaminés extremamente claustrofóbicas em lances bastante expostos. Dois esticões para cima e já não tínhamos o mesmo ânimo que no início. Já estávamos exaustos e doloridos da ponta dos pés ao último fio de cabelo. Não podíamos desistir. Reunimos todas as nossas forças e progredimos desta vez em chaminés muito sujas, com galhos entrelaçados que dificultavam nosso progresso. Em minha opinião, os lances mais difíceis da via inteira. Além da preocupação em fazer a chaminé, existia a luta com os galhos que enroscavam em nossos materiais, a necessidade de colocar peças móveis para a proteção e o grande empecilho de rebocar mochilas neste caminho precário.Após muito esforço, deparamo-nos com o crux da via. 25 metros em 6ºsup, vencidos em entalamento precário de mãos e oposição, feitos em móvel... isso, após 4 horas de escalada em lances bem atléticos. Finalmente, depois deste lance, encontra-se uma interminável chaminé com muitas pedras entaladas e soltas. Mais dois esticões e chega-se ao artificial em um grampo vermelho que anuncia a proximidade do cume e o final da ralação. Após 5 horas e meia de muita adrenalina, 12:30h piso no cume, para marcar mais uma vitória. Um último susto: já no cume, eu recolhia a corda do Menudo que vinha vencendo os 20 últimos metros de escalaminhada quando um galho aonde ele se apoiava cedeu. Foi o tempo de me jogar no chão e travar na marra a inevitável queda de 400 metros verticais de meu amigo... Ufa! O pior de tudo?! Abrimos o livro de cume e constatamos que havíamos sido os últimos a pisar no cume, oito meses atrás... Bem, o pior, posso assegurar, foi o fato de termos esquecido a caneta no carro... Isso mesmo: Aquela maldita caneta do início do texto. Tentamos desesperadamente rabiscar algo com a caneta falha existente na urna, mas de nada adiantou. Conformados, batemos algumas fotos (que publicaremos em breve), colocamos uma bandana do Egito no ainda inerte e intocado ‘Pau do Antônio’ (haste de alumínio utilizado na escalada da Via de Conquista, oito meses atrás, deixa por nós no cume) e iniciamos o trabalho de rapel.Vazio. Foi o que senti ao retornar àquele local. Não sei explicar ao certo o que se passou pela minha cabeça. Estava exausto, cheio de terra, suor e sangue pelo corpo. Roupas rasgadas. Sem água na mochila. Câimbra insuportável nos braços. Não me sentia feliz, mas sim, orgulhoso por vencer mais um desafio. A felicidade pelo sucesso na verdade, veio apenas horas depois, quando comecei a realizar o meu feito e quando os cortes e hematomas começaram a me incomodar menos. Voltando à realidade, de poder do croqui e com informações precisas e indispensáveis da via do Luciano Bender, resolvemos fazer o rapel pela mesma.Sofremos um pouco para encontrar o primeiro grampo, mas felizmente valeu a pena. Apenas 1 hora depois estávamos na base da montanha após uma descida fenomenal de 6 esticões, em lances negativos alucinantes! Rapidamente, arrumamos nossos quilos de materiais móveis e pegamos a trilha de volta para o carro. Cambaleando, entramos no carro do Egito e em poucos minutos estávamos em um restaurante nos arredores da montanha, para tomar um merecido banho, cuidar dos ferimentos e comer um delicioso almoço, acompanhado daquela cervejinha geladíssima! Neste momento sim comecei a sentir felicidade!À noite, ainda juntaram-se à nós três, o Rodrigo Taveira, Rodrigo Cayubi, Aline e Sandrinha. No dia seguinte ainda reunimos forças para subir o Frade de Espírito Santo. Apesar de se tratar de uma caminhada leve, uma pequena escalaminhada e um lance de artificial em grampos, parecia mais um big-wall !!! São e salvos chegamos à base e voltamos para o Rio de Janeiro com sensação de missão cumprida.Agradecimentos ao Mauro Maciel e ao Luciano Bender pelas informações e atenção cedidos. Agradecimentos especiais aos meus amigos Menudo e Egito (Trio Furada) por mais esta aventura inesquecível! Aliás, a cada vez que escalamos o Pico do Itabira, ouve-se o famoso ‘NUNCA MAIS!!!’... mesmo assim, cometemos a burrice de retornar. Por isso não mais o citarei. Quem sabe assim a gente aprende a lição....
Email do autor: pedrinhobugim@hotmail.com
Texto retirado na íntegra do site Montanhas do Rio
2 comentários:
Parabéns!!!
Sou de Cachoeiro de Itapemirim e praticamente não ouço relatos de pessoas que escalaram o Itabira, mais uma vez parabéns a você e aos seus amigos.
Gostei da sua aventura. Sou de Cachoeiro de Itapemirim, e raramente ouço relatos sobre escaladores do Itabira. Parabéns a você e aos seus amigos! Apesar das condições precarias para a escalada, volte sempre!!!
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