quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Montanhismo é com o Quênia

Pedro da Cunha e Menezes

Quando pensamos na África, o que vem à mente são florestas tropicais, ou vastas e desabridas savanas, iluminadas por vívido sol vermelho, onde pupulam antílopes, elefantes, zebras e leões. Para os montanhistas, contudo, a África é o continente do majestoso monte Kilimanjaro e de seu irmão um pouco menor, o monte Quênia. Aos dois picos, todos os anos acorrem milhares de excusionistas dos quatro cantos do globo.

Ambas as montanhas são acessíveis por meio de diversas rotas de caminhada e diferentes vias de escalada. Alguns nomes, como Teleki Valley e Austrian Hut, marcam a influência européia nas primeiras escaladas desses telhados africanos. Deve-se, entretanto, ao Mountain Club of Kenya (MCK) a maioria das conquistas do Monte Quênia e do Monte Kilimanjaro. Três de seus membros, Ian Allan, Paul Clarke e Ian Howel, juntos desbravaram mais de duas dúzias de vias aos cumes mais altos da África.


O centro excursionista queniano foi fundado em 1938 como uma seção do Mountain Club of East Africa. Inicialmente seus sócios eram quase todos membros da elite colonial inglesa. Com a independência do Quênia, em 1963, e a emigração de muitos colonizadores, o clube esvaziou-se um pouco. Paulatinamente, contudo, sua membresia foi se recompondo com a entrada de montanhistas locais. Finalmente, em 1973, com a decisão da ONU de basear em Nairobi o recém criado programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o clube virou ponto de encontro para montanhistas de todo o mundo. São funcionários da ONU, membros de ongs internacionais de conservação da natureza ou diplomatas estrangeiros lotados na cidade por serem especialistas em temas ligados ao meio ambiente. Não por acaso, aos domingos, uma significativa parcela desses diplomatas troca o paletó e a gravata pelas botas, a mochila e o saco de dormir. Para essa gente, trabalhar em Nairobi é o caso típico da união entre o útil e o agradável.

Por isso mesmo, talvez não exista no mundo inteiro Centro Excursionista tão moderno e oxigenado quanto o MCK. Seus 130 membros têm cerca de 80 nacionalidades diversas. Entre eles, já subiram as maiores montanhas dos cinco continentes. Mais do que isso, há entre os sócios gente que conhece muito bem a questão ambiental por dentro. O secretário da Embaixada do Japão, recém admitido nos quadros do MCK, foi diretor de vários parques nacionais antes de entrar para a carreira diplomática. Robert Buzzard, atual presidente do Clube, já trabalhou no Serviço Florestal norte-americano e na fundação ambiental do Quênia (KWS). Outros sócios trazem experiências de gestão e manejo da Rússia, Equador, Suíça e Espanha entre outros países. Além da multiplicidade de passaportes e da bagagem acumulada na área ambiental, o MCK caracteriza-se pela sua extrema abertura a novas idéias.

Raramente, um diplomata fica no país por mais de três anos, o que garante uma grande rotatividade entre o grupo de sócios. A cada semana alguém se despede e é substituído por alguém novo que chega. Nunca chega de mãos vazias. Sempre trás idéias e conhecimentos novos. É um equipamento revolucionário que está sendo utilizado na Europa, uma nova atividade de manejo que encontra-se em teste na Nova Zelândia, ou uma técnica de montanhismo menos impactante adotada na África do Sul. Em cada reunião semanal do MCK se aprende uma coisa nova.


Felizmente, contudo, o MCK também é bom em ações velhas e consagradas. No primeiro fim de semana de junho deste ano, o Clube liderou um mutirão de limpeza ao Monte Quênia. Não é tarefa simples. Com 5.199 metros de altitude e múltiplas trilhas de acesso, o Monte Quênia é o segundo pico mais alto da África. Só para chegar ao Ponto Lenana (foto), como é conhecido um de seus três cumes principais (4.985 m), são necessários três longos dias de caminhada.

Mesmo assim, a operação de limpeza foi um sucesso. Não tanto pela quantidade de lixo retirado, que para padrões brasileiros não foi tão volumosa, mas pela capacidade de aglutinação de diversos atores. Limpar o lixo do Monte Quênia é importante. Mais importante, porém, é ensinar a não sujar. Ciente de que os próprios guias e carregadores são parte do problema, pois muitas vezes preferem deixar o lixo pelo caminho ao invés de trazê-lo para a base da montanha, o Clube fêz questão de envolvê-los na empreitada. Outros dois grupos que participaram da atividade foram os guarda-parques e os alunos de escolas da região. Estes últimos, 100% quenianos, são em última análise os guardiães do patrimônio escalado por cidadãos de todo o mundo. Os membros do Clube são transitórios, vêm, sobem, retornam a seus países. Os estudantes são locais. Se aprenderem a amar a montanha, ficarão indissoluvelmente casados com ela durante toda a vida.


A organização impecável do evento, a cargo do inglês Leo Blyth, dividiu os mutirantes em dois grandes grupos que limparam as rotas de Naro Moru e Sirimon, indo encontrar-se no topo gelado do Ponto Lenana. Ao todo, cerca de 300 quilos de dejetos foram retirados das trilhas e geleiras do Monte Quênia. O sucesso foi grande. Sucesso completo, entretanto, só será atingido quando não houver mais necessidade de se organizar novos mutirões por completa ausência de lixo a ser recolhido.

No Brasil também há bons exemplos oriundos de associações de caminhantes e escaladores. Desde a fundação do Centro Excursionista Brasileiro em 1919, a comunidade montanhista tem dado excelente contribuição para o manejo de nossas áreas protegidas. Mutirão é com eles mesmos. Em 2000, quando a base das escaladas do Corcovado foi aliviada da tonelada de lixo que acumulou-se ali durante décadas, a Federação de Montanhismo do Rio de Janeiro estava presente por meio de seu presidente Gustavo Sampaio. Do Centro Excursionista Light, nasceu o Movimento Terra Limpa, liderado por Ivan Amaral. Inicialmente dedicado a acabar com a sujeira das montanhas fluminenses, o Terra Limpa evoluiu e hoje recupera trilhas, sinaliza caminhos e controla a erosão do Bico do Papagaio e da Pedra da Gávea. Outro centro excursionista carioca, o UNICERJ, adotou a trilha ao pico do Andaraí durante o ano de 2000 inteiro. Mais longe ainda foi o Grupo Ação Ecológica (GAE) também oriundo do movimento excursionista do Rio de Janeiro. Nasceu reflorestando as encostas íngremes da Urca e do Pão de Açúcar; cresceu e hoje é movimento ambientalista militante. Denuncia agressões à natureza, mobiliza o Ministério Público, ajuíza ações legais contra os depredadores da natureza carioca.

Tamanha dedicação acabou por naturalmente levar algumas lideranças do movimento excursionista a ocupar cargos de relevo nos órgãos ambientais do Governo. Só para citar alguns, Carlos Eduardo Zikan, do Grupo Excursionista Agulhas Negras, foi até 2000 chefe do Parque Nacional do Itatiaia e André Ilha, do GAE, foi presidente do Instituto Estadual de Florestas do Rio de Janeiro (IEF) durante parte do primeiro Governo Garotinho.

Durante suas gestões souberam limpar as entidades que dirigiam com a mesma eficiência dos mutirões empreendidos pelos centros excursionistas. Infelizmente, contudo, assim como os mutirões, foram gestões episódicas. Uma vez substituídos nos cargos, a velha incúria voltou a reinar. Como a ação saneadora do Mountain Club of Kenya mostra, não há solução episódica para os problemas que afligem o meio ambiente. Se não aprendermos a parar de sujar, jamais teremos Parques permanentemente limpos. No Quênia, assim como no Brasil, quando tratamos do manejo de Parques (do qual a limpeza é apenas um pequeno componente) é fundamental que tenhamos um trabalho permanente e contínuo. Isso, os centros excursionistas já mostraram que sabem fazer de sobra.

Fonte: O Eco

Nenhum comentário: