Jared Diamond diz que o sucesso de
sociedades do passado não as deixou
ver o perigo ambiental criado por elas
próprias. Ele teme que isso se repita Diogo Schelp
AFP
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NATUREZA NA LATA DO LIXO
Rio poluído em Jacarta, na Indonésia: cada pessoa produz 5 toneladas de lixo por ano O homem nunca tirou tanto do meio ambiente como nos últimos cinqüenta anos. O avanço acelerado sobre a natureza é o efeito colateral do nosso sucesso. Vista pela perspectiva dos avanços relativos de cada civilização, a nossa exibe brilho sem igual. A fartura inédita de alimentos, a tecnologia para salvar vidas e colocar foguetes na Lua e a compreensão científica dos fenômenos naturais nunca foram maiores. A contrapartida preocupante são a perda acelerada de biodiversidade e a degradação do meio ambiente, a pressão sobre os estoques de água potável, o excesso de pesca nos oceanos e indícios de mudanças climáticas causadas pela ação do homem. O que esse processo mostra é que os recursos naturais podem estar sendo consumidos em velocidade maior que a de reposição do planeta. Há o risco de não sobrar o suficiente para as gerações futuras.
A respeito disso, vale a pena prestar atenção no que diz o americano Jared Diamond. Geógrafo da Universidade da Califórnia, ele é autor de um livro de grande repercussão, Armas, Germes e Aço, lançado há seis anos. Nele, explica como fatores ambientais influenciaram a ascensão de muitas civilizações. Dessa maneira, a disponibilidade de animais e plantas passíveis de ser domesticados ajuda a explicar por que o Ocidente conquistou o restante do mundo – e não o inverso. Ou, em outras palavras, por que foram os espanhóis que desembarcaram no México, e não os astecas na Espanha. Mais recentemente, Diamond estudou o declínio e o sucesso de várias sociedades do passado e acredita ter encontrado um padrão na catástrofe: o desastre ambiental provocado por elas foi decisivo no próprio declínio. A queda de um povo nunca é o resultado de um único fator, diz o geógrafo. Ele pode simplesmente ser aniquilado por um invasor poderoso. Outras vezes, o colapso é provocado pela perda de uma conexão vital – um freguês tradicional para seu único produto de exportação, por exemplo. Pode ocorrer uma mudança climática ou um desastre natural. O elemento isolado mais poderoso, contudo, pelo menos nos exemplos estudados, foi a degradação ambiental. Quando a população cresce, em decorrência do sucesso da sociedade, a pressão por alimento se torna excessiva para os recursos naturais. O resultado é a fome, que leva à desagregação social e a guerra civil.
De qualquer forma, no seu entender, a questão mais importante é o modo com que a sociedade reage aos quatro problemas citados. O sucesso pode cegar as pessoas para os riscos de seu próprio comportamento. Os mesmos valores que permitiram a ascensão daquele povo podem igualmente levá-lo à ruína. O exemplo dessa situação, apresentado pelo geógrafo, não é do passado, e, sim, dos nossos dias. A cultura do consumo permitiu a criação do grau de riqueza da sociedade moderna. O risco é o de que os recursos naturais não dêem conta de atender à demanda, fazendo com que a sociedade volte atrás. Diante da necessidade de alimentar uma população crescente, a civilização maia, a mais brilhante entre as pré-colombianas, devastou a mata, expondo a terra à erosão. Por fim, as colheitas fracassaram e a fome dizimou a população. Envolvidos em guerras permanentes e golpes de Estado, os reis maias não foram capazes de pensar nas gerações futuras.
Antonio Ribeiro
PESCA E MATA AMEAÇADAS
A pesca excessiva dizimou os cardumes de atum. A Amazônia já perdeu um quinto de sua floresta (acima, queimada em Rondônia) Diamond acredita que o mesmo tipo de desatenção para com o futuro possa estar ocorrendo atualmente. Há realmente sinais inequívocos de como o homem moderno já está sendo prejudicado pelo uso depredatório que faz dos recursos naturais:
• O consumo de água cresceu seis vezes no último século, em grande parte para aumentar a produção de alimentos. O resultado foi a redução da oferta de água para uso humano. Um terço da população mundial vive em regiões com escassez de água, proporção que deve dobrar até 2025. Metade dos africanos, asiáticos e latino-americanos sofre de alguma doença relacionada à falta de acesso a uma fonte de água limpa.
• O uso de petróleo aumentou sete vezes nos últimos cinqüenta anos. A queima de combustíveis fósseis contribui para a poluição do ar, que, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde, mata 3 milhões de pessoas por ano.
• Os gases emitidos por automóveis, pela indústria, pela decomposição do lixo e pelo desmatamento de florestas tropicais contribuem para acelerar o aquecimento global. Nas últimas décadas, a temperatura média do planeta subiu 1 grau. Como resultado, 40% do gelo do Ártico derreteu no último meio século, fazendo subir lentamente o nível dos oceanos. O desequilíbrio climático traduziu-se também em maior quantidade de secas em algumas regiões e inundações em outras.
• A exploração do estoque dos principais peixes de valor comercial ultrapassou a capacidade de reposição da espécies. A pesca industrial já reduziu em 90% a população dos grandes peixes oceânicos.
• Um quarto da área terrestre é usada, hoje, para a produção de alimentos (agricultura e pecuária). Como as melhores áreas para a agricultura já estão em uso há bastante tempo, a fertilidade do solo caiu 13% nos últimos cinqüenta anos. Com isso, tornou-se necessário o uso de maior quantidade de adubos químicos e o avanço sobre terras periféricas ou ocupadas por florestas. Um quinto da Amazônia brasileira já desapareceu neste século.
O paradoxo é que a mesma eficiência em explorar – e, por conseqüência, danificar – os recursos naturais foi o que permitiu à humanidade atingir o padrão atual de conforto. Nunca o ser humano levou uma vida tão boa. Nas últimas quatro décadas, a renda per capita mundial triplicou. A proporção de pobres diminuiu. Jamais uma parcela tão grande da população mundial teve igual acesso a serviços básicos de saúde, alimentação e moradia. A expectativa média de vida passou de 50 para 79 anos em um século. Entre 1960 e 2000, a população mundial dobrou (de 3 para 6 bilhões) enquanto a economia cresceu seis vezes. Duas forças exercem maior pressão sobre o planeta: o crescimento da população global e a melhoria no nível de vida dos moradores dos países pobres. A ONU estima que em 2050, atingiremos o ápice populacional, com 8,9 bilhões de pessoas.
Um dos dilemas existenciais da atualidade é o seguinte: quantas pessoas vivendo com padrões de consumo do Primeiro Mundo o planeta é capaz de sustentar? "A natureza não poderá dar conta sequer dos atuais níveis de consumo, que dizer se 1 bilhão de pessoas, a maioria na China, tiverem acesso à sua primeira geladeira nos próximos dez anos", disse a VEJA o americano Stuart Pimm, especialista em políticas ambientais da Universidade Duke, nos Estados Unidos. "A solução para o problema não é barrar o desenvolvimento econômico, mas tomar decisões mais espertas em relação ao meio ambiente e evitar os desperdícios", completa Pimm. Várias características nos distanciam das sociedades estudadas por Diamond. Tratavam-se de povos isolados, a maioria deles em ilhas ou no meio de florestas impenetráveis, bem diferentes da sociedade global em que vivemos. Em nenhuma outra época alcançou-se o conhecimento que temos agora da relação de causa e efeito existente entre a nossa interferência na natureza e o modo com que isso pode nos atingir. As sociedades do passado não tinham conquistado a tecnologia que hoje nos permite enfrentar e solucionar os problemas ambientais. A tecnologia pode salvar a civilização.
"A humanidade não precisa voltar a andar de carroça para evitar a destruição dos recursos naturais", disse a VEJA o biólogo americano George Woodwell, um pioneiro da ecologia moderna. "Basta mudar um pouco os hábitos atuais de desperdício e substituir as tecnologias poluentes." Woodwell foi um responsáveis pela descoberta dos efeitos nocivos do DDT, nos anos 60. O produto foi proibido nos Estados Unidos na década de 70 e, em 1985, no Brasil. Quatro décadas atrás, o avanço na tecnologia agrícola multiplicou a produção de alimentos e permitiu o aumento da população mundial. Chamou-se a isso revolução verde. A parte negativa foi o uso indiscriminado de produtos químicos, entre eles alguns inseticidas que depois se mostraram devastadores para a saúde humana e para o meio ambiente, como o DDT.
Isso foi resolvido com novas gerações de defensivos e com o melhoramento genético das sementes, os chamados transgênicos. São lavouras que reduzem sensivelmente a necessidade de insumos químicos. Outro exemplo é a queima dos derivados de petróleo, cujos gases estão entre os maiores responsáveis pelo aquecimento global. Melhorias tecnológicas permitiram que o consumo total de combustível, em relação ao produto interno bruto dos Estados Unidos, tenha caído a quase a metade desde 1973. Os combustíveis fósseis terão de ser substituídos por fontes alternativas de energia, pois a estimativa é a de que o consumo só possa ser mantido, nos níveis atuais, por mais meio século. A tecnologia para isso – fissão nuclear, energia eólica ou a célula a hidrogênio – já existe. Nem sempre é simples convencer uma sociedade a mudar seus hábitos. "As pessoas têm dificuldade em se preocupar com questões que parecem muito distantes e incertas, como o aquecimento global", disse a VEJA o jurista americano Richard Posner, autor de Catástrofe – Risco e Resposta. Nesse livro, ele analisa as possibilidades de a humanidade vir a ser aniquilada por cataclismos naturais ou causados pelo homem.
O teórico do colapso
Diamond: "O consumo americano funcionava enquanto tínhamos recursos infinitos"Em Armas, Germes e Aço, lançado em 1999, o geógrafo Jared Diamond explicou por que a Europa dominou o mundo. Em seu novo livro, Colapso, há trinta semanas na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos, ele analisa o que leva as sociedades ao fracasso. Aos 68 anos, Diamond, da Universidade da Califórnia, concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
O SENHOR DIZ QUE O COLAPSO OCORRE, EM GERAL, QUANDO AS SOCIEDADES ESTÃO NO AUGE. POR QUÊ?O colapso tende a ocorrer no auge do poder porque é justamente quando a sociedade tem a maior população, o que exige uma quantidade cada vez maior de recursos retirados da natureza. Os recursos esgotam-se com rapidez e ela se torna vulnerável a calamidades. Em geral o colapso é repentino, porque os problemas são relacionados. Em termos simples, significa que a incapacidade de produzir alimentos suficientes leva a revoltas populares, que, por sua vez, causam a derrubada de governantes e guerras civis. POR QUE HÁ SOCIEDADES CAPAZES DE PLANEJAR A LONGO PRAZO, EVITANDO A DESTRUIÇÃO DE SEUS RECURSOS NATURAIS, E OUTRAS NÃO?Um fator é o tipo de problema ambiental enfrentado. O Japão tinha um grave problema de desmatamento no século XVII. Mas se trata de uma ilha bastante úmida e com muita chuva. Lá as árvores crescem com bastante rapidez. Já na Ilha de Páscoa, onde a civilização rapa nui devastou os bosques, o clima é seco. A mata demora para se restabelecer. Outro fator é a maneira como a sociedade reage diante da devastação do meio ambiente. Os japoneses tentaram resolver o problema, pois tinham consciência de que seus filhos iriam precisar daqueles recursos. Os polinésios da Ilha de Páscoa não pararam até arrancar a última árvore. ATÉ QUE PONTO OS VALORES CULTURAIS DETERMINAM SE UMA SOCIEDADE SERÁ CAPAZ OU NÃO DE LIDAR COM O USO CORRETO DOS RECURSOS NATURAIS?Os valores culturais de fato têm influência no sucesso de uma sociedade. O maior perigo está em valores culturais que funcionaram bem durante séculos e, de repente, deixam de ser adequados às mudanças. Nesse caso, os valores que antes eram positivos e ajudaram aquela sociedade começam a atrapalhar. O exemplo são os Estados Unidos. O país enriqueceu e se tornou o mais rico do mundo sendo consumista. Isso funcionava muito bem enquanto ele dispunha de recursos infinitos. Hoje, o hábito cultural americano de consumo exacerbado pode comprometer seriamente nossa sobrevivência. POR QUE, MESMO QUANDO IDENTIFICAM UM RISCO AMBIENTAL, ALGUMAS SOCIEDADES RELUTAM EM PROCURAR UMA SOLUÇÃO PARA ELE?A pergunta poderia ser: por que existem sociedades que aprendem com os erros enquanto outras não? O fato é que, muitas vezes, há conflitos de interesse que impedem as autoridades de tomar atitudes para evitar o colapso. Algumas pessoas ficam ricas causando o problema ambiental, enquanto o restante da sociedade sofre com ele. Se esses indivíduos fazem parte do governo ou o influenciam, fica difícil resolver a questão. O FATO DE VIVERMOS EM UMA SOCIEDADE GLOBALIZADA SIGNIFICA QUE O COLAPSO DE UMA SOCIEDADE IMPORTANTE PODE SE TORNAR GLOBAL?Sim. Os atentados de 11 de setembro de 2001 contra o World Trade Center, nos Estados Unidos, tiveram reflexos políticos e econômicos sobre outras sociedades. Não chegaram a causar um colapso, mas ilustram como o que acontece em uma nação importante tem potencial para afetar o restante do mundo. Se um país grande, como os Estados Unidos, entrar em declínio, isso com certeza afetará o resto do planeta.Clique aqui e veja a entrevista na íntegra
Fonte: Revista VejaUm dia a terra vai adoecer. Os pássaros cairão do céu, os mares vão escurecer e os peixes aparecerão mortos na correnteza dos rios. Quando esse dia acontecer, os índios vão perder o seu espírito. Mas vão recuperá-lo em seguida, para ensinar ao homem branco a reverência pela sagrada terra. Aí, então, todas as raças vão se unir sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição. Será o tempo dos guerreiros do arco-íris." Olhos de Fogo