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Nota do editor: Este artigo foi publicado pela primeira vez a 21 de Outubro de 2003 e é o primeiro de vários artigos que serão migrados para esta nova página. É um artigo que aborda um espírito de Montanha que está muito presente na Desnível e na comunidade em que está inserida. São preocupações e atitudes que fazem parte do dia-a-dia no terreno de aventura. Mas será que estas atitudes nos são tão intrínsecas porque as dominamos ou porque, como comunidade, e como o Paulo dá a entender, são as que mais precisamos aprender? Deixe nos comentários a sua resposta!
Doug Scott integrou ou “chefiou” diversas das principais equipas responsáveis por alguns dos maiores empreendimentos do alpinismo expedicionário nos últimos 35 anos. Sempre na tradição britânica do amadorismo desportivo nas montanhas de seis, sete e oito mil metros de altitude.
Exemplificando: primeiras ascensões do Changabang, da Face SW do McKinley, da Face SW do Everest (depois de duas tentativas), do Ogre, da Face N do Kanchenjunga e do Kunsum Kanguru, da aresta E do Shivling, da face N do Chamlang; tentativa de novas vias no Nanga Parbat (aresta Mazeno), no Makalu (aresta SE) e no K2 (aresta S).
A sua epopeia de sobrevivência na expedição que levou à conquista do Ogre ficou como uma das grandes aventuras do alpinismo. Após ter partido ambas as pernas num acidente pouco abaixo do cume e com o companheiro Chris Bonington também ferido, conseguiu arrastar-se durante seis dias, ao longo de uma descida tecnicamente exigente e sob uma tempestade infernal até ao campo base, entretanto abandonado pela sua expedição que considerara a equipa do cume perdida.
Foram empreendimentos efectuados geralmente em estilo alpino, caracterizados por uma ética particular e por um grau de envolvimento extremo, sendo Doug Scott um dos raros sobreviventes desse grupo de cerca de 20 montanheiros, maioritariamente britânicos, que incluíram nomes como Alan Rouse, Alex MacIntyre, Brian Hall, Chris Bonington, Don Whillans, Dougal Haston, Georges Bettembourg, Greg Child, Jean Afanassief, Joe Tasker, Pete Boardman, Rick White e Roger Baxter-Jones. Quase todos portanto já desaparecidos, e quase sempre em montanha.
Conforme dizia Martin-Ravel (in Vertical Junho de 2003) os alpinistas serão, de entre a grande maioria dos desportistas, aqueles que alimentam até à exaustão a sua paixão, arriscando a vida com grande frequência o que, longe de constituir um sentido para esta, dá-lhe pelo menos nos dias de hoje um pouco de sal.
Doug Scott incluiu, numa entrevista prestada à Vertical (Abril de 2003), não só referências aos seus projectos actuais, mas sobretudo depoimentos e pontos de vista que não são de deixar cair no esquecimento. Merecem difusão na comunidade portuguesa dos desportos de aventura e, em particular, na da montanha. O facto mais interessante da entrevista tem a ver com a forma de estar das equipas que integrou.
Segundo ele, reinava um espírito de homogeneidade, igualdade e unidade, em que a unanimidade constituia uma regra de ouro. As decisões que se tem que tomar em montanha são demasiado importantes para serem encaradas duma forma democrática, como se houvesse lugar para um processo de votação. Ou seja, “caso se pense que é preciso fazer uma votação para legitimar uma decisão, então o melhor é abandonar o projecto e voltar para casa”. E esta forma aparentemente utópica de gerir uma ascensão é, para Doug Scott, a “poção mágica do sucesso”, pois todos têm de se sentir contentes e de concordar com as opções tomadas. A hierarquia rígida das expedições de outrora era assim substituída pela sabedoria - e não autoridade - do mais experiente, aliada à unanimidade.
As decisões que se tem que tomar em montanha são demasiado importantes para serem encaradas duma forma democrática, como se houvesse lugar para um processo de votação.
Mas, como contrapartida, cada um tem de assumir o seu papel com grande lucidez e franqueza. Ou seja, tem de assumir não só as suas próprias potencialidades, mas também as suas fraquezas, de forma a que a equipa saiba o que se passa com cada escalador. Se por exemplo adoecer, ou se sentir quaisquer problemas ou dúvidas, deve dizê-lo, não deve esconder o assunto, até por considerar que assim beneficia o grupo.
Certamente que a perda de quase todos os seus companheiros o entristece profundamente, mas tendo em conta tudo o que conseguiram fazer ao longo de todos esses ano, com os meios em geral relativamente reduzidos de que dispunham, confessa que não deixa de pensar que, se estes desaparecidos ainda por cá andassem, o himalaismo não seria o que é, pois seria muito mais inovador e interessante.
E relembra palavras de Grantland Rice:
For when the One Great Scorer comes
To write against your name,
He marks - not that you won or lost -
But how you played the Game.
Pois quando o Grande Árbitro vem
para avaliar o teu nome,
Ele anota, não se ganhaste ou perdeste,
Mas como jogaste o Jogo
*Tradução Livre
Actualização: Algumas ascensões de 2006 e 2007 sugerem que o espírito inovador parece estar a regressar ao himalaismo.
Fonte: Desnível
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